Graciliano
Ramos
Narrado na primeira pessoa, por
João Valério. A ação desenvolve-se em Palmeira dos Índios. João Valério, o
personagem principal, introvertido e fantasioso, apaixona-se por Luisa, mulher
de Adrião, dono da firma comercial, onde trabalha. O caso amoroso é denunciado
por uma carta anônima, levando o marido traído ao suicídio. Arrependido, e
arrefecidos os sentimentos, João Valério afasta-se de Luisa, continuando, porém
como sócio da firma.
O título do Livro, Caetés, é a
aproximação que faz o Autor com selvagem caeté, devorando o Bispo Sardinha
(1602-1656) numa correspondência simbólica com a antropofagia de João Valério
"devorando" Adrião, o rival. João Valério, é ao mesmo tempo, homem e
selvagem:
"Não
ser selvagem! Que sou eu senão um selvagem, ligeiramente polido, com uma tênue
camada de verniz por fora? Quatrocentos anos de civilização, outras raças,
outros costumes. É eu disse que não sabia o que se passava na alma de um caeté!
Provavelmente
o que se passa na minha com algumas diferenças."
Caetés dá a impressão, quanto ao
estilo e análise, de deliberado preâmbulo; um exercício de técnica literária
mediante o qual pôde aparelhar-se para os grandes livros posteriores.
Publicado em pleno surto nordestino(1933"),
contrasta com os livros talentosos e apressados de então pelo cuidado da
escrita e o equilíbrio do plano. Dá ideia de temporão, de livro nascido aos dez
meses, espiritualmente vinculado ao galho já cedido do pós-naturalismo, cujo
medíocre fastígio foi depois de Machado de Assis e antes de 1930. Nele, vemos
aplicadas as melhores receitas da ficção realista tradicional, quer na
estrutura literária, quer na concepção da vida.
A atmosfera geral do livro se liga também à lição
pós-naturalista, onde encontramos a celebração dos aspectos mais banais e
intencionalmente anti-heroicos do quotidiano. A intenção do autor parece Ter
sido horizontalizar ao máximo a vida dos personagens, as relações que mantém
uns com os outros. Exceto o narrador, João Valério, os demais são delineados
por meio de aspectos exteriores, em que se vão progressivamente revelando. O
autor não apenas procura conhecê-los através do comportamento, como se revela
amador pitoresco da morfologia corporal, definindo lhe o modo de ser em ligação
estreita às características somáticas: fisionomia, tiques, mãos, papada de um
olho esbugalhado de outro, barbicha de um terceiro. Apresentados por esta
edição de pequenos sinais externos, completando-os aos poucos no decorrer do
livro, não sem alguma confusão, que requer esforço do leitor para identificar
os nomes chamados à baila. E assim vemos de que modo a minúcia descritiva do
naturalismo colide neste livro com uma qualidade que se tornará clara nas obras
posteriores: a discrição e a tendência à elipse psicológica, cujo correlativo
formal é a contenção e a síntese do estilo.
"Com a pena irresoluta, muito
tempo contemplei destroços flutuantes. Eu tinha confiado naquele naufrágio,
idealizara um grande naufrágio cheio de adjetivos enérgicos, e por fim me
aparecia um pequenino naufrágio inexpressivo, um naufrágio reles. E outro:
dezoito linhas de letra espichada, com emendas."
A vocação para a brevidade e o
essencial aparece aqui na busca do efeito máximo por meio dos recursos mínimos,
que terá em São Bernardo a expressão mais alta. E se Caetés ainda não tem a sua
prosa áspera, já possui sem dúvida a parcimônia de vocábulos, a brevidade dos
períodos, devidos à busca do necessário, ao desencanto seco e humor algo
cortante, que se reúnem para definir o perfil literário do autor.
Neste romance, é forçosa a
aproximação entre Graciliano Ramos e Eça de Queiros, nas notações irônicas
sobre o meio provinciano de Palmeiras dos Índios, cidade alagoana da qual
Graciliano foi prefeito.
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