Dom Quixote
Adelina Lopes Vieira
Paulo
tinha seis anos incompletos;
tinha
só quatro o louro e gentil Mário.
Foram
à biblioteca, sorrateiros,
e
ficaram instantes, mudos, quietos,
a
espreitar se alguém vinha; então, ligeiros
como o
vento, correram p'ra o armário,
que
encerrava os volumes cobiçados:
eram
dois grandes livros encarnados,
cheios
de formosíssimas gravuras,
mas
pesados, meu Deus!
Os
pequeninos
porfiavam,
cansados, vermelhitos,
por
tirá-los da estante. Que torturas!
'Stavam
tão apertados, os malditos!
Enfim,
venceram não sem ter lutado...
Paulo
entalou um dedo, o irmãozinho,
ao
desprender os livros, coitadinho!
cambaleou,
e foi cair... sentado.
Não
choraram: beijaram-se contentes
e
Paulo disse a Mário: Que bellote!
vamos
ver à vontade o D. Quixote,
sem os
ralhos ouvir, impertinentes,
da
avó, que adormeceu. Oh! que ventura!
Mário,
tu não te mexas, fica atento:
eu vou
mostrar-te estampas bem pintadas
com
uma condição: cada figura
há de
trazer ao nosso pensamento
uma
dessas partidas engraçadas,
que eu
sei fazer. Serve-te assim?
— 'Stá
dito.
Oh!
que homenzinho magro! Que esquisito!
Quem
é?
— É D.
Quixote.
— o
barrigudo
é dona
Sancha, que a mamãe me disse.
— Dona
Sancha é mulher. Oh! que tolice!
O nome
que ele tem, bobo, é Pançudo.
— Que
está fazendo o padre na cadeira,
a
entregar tanto livro à rapariga?
— São
livros maus, que vão para a fogueira.
—
Quais são os livros maus?
— Não
sei, mas penso
que
devem ser os que não têm dourados
nem
pinturas. Por mais que o papai diga
que o
livro é sempre bom, não me convenço.
—
Ouves? Chamam por ti, fomos pilhados!
— Meu
Deus, como há de ser? Mário, depressa,
vamos
arrumar isto; assim.
— Não
cessa
De
chamar-nos a avó!
—
Pronto.
— Inda
faltam três livros.
— Já
não cabem.
— Que
canseira!
— Têm
figuras?
— Não
têm.
—
Capas bonitas?
—
Também não têm.
—
Então são maus e saltam
pela
janela: atira-os à fogueira.
Eram
Sêneca, Eurico e Os jesuítas.
Escaparam
do fogo os condenados,
ficando
um tanto ou quanto amarrotados.
Salvou-os
o papai, mas impiedoso,
fechou
a biblioteca, e rigoroso
condenou
os dois réus, feroz juiz!
A soletrar... os Contos
Infantis..
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