"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

sexta-feira, 12 de abril de 2013

O uso da crase

Crase
A palavra crase (do grego krásis = mistura, contração) designa, em gramática normativa, a fusão de dois sons vocálicos iguais.

Leia o seguinte trecho de um conto de Machado de Assis e observe que ora ocorre a crase, ora não ocorre.

Não digo as vezes que andei de um lado para o outro, na sala, no corredor, à espreita e à escuta, até que de todo passou a possibilidade de vir. Poupo a notícia do meu desespero, o tempo que rolei no chão, falando, gritando ou chorando. Quando cansei, escrevi-lhe uma longa carta; esperei que me escrevesse também, explicando a falta. Não mandei a carta, e à noite fui à casa deles.

Nas orações, ocorre crase quando a preposição a se funde com:
§  o artigo a e suas flexões: Assistimos à peça de teatro.
§  o artigo inicial do pronome demonstrativo aquele e suas flexões: Não me refiro àqueles livros.
§  o pronome demonstrativo a e sua flexão: Sua assinatura é referente à de meu irmão.

Ocorre crase:
a)    Antes de substantivo feminino que exija artigo.
Adaptei-me à turma.

b)   Antes de nomes de localidades, quando estes admitirem o artigo a.
Viajaremos à Colômbia.

Obs.: Nem todos, porém, admitem artigo: Curitiba, Fortaleza, Madri etc.
Viajaremos a Curitiba. à Venho de Curitiba.
*Haverá crase se o substantivo vier acompanhado de adjunto:
Vou à Curitiba dos meus sonhos.

c)    Antes de numeral seguido da palavra hora, mesmo subentendida.
Chegaremos às quatro horas.
Fui dormir às duas da manhã.

d)   Quando se puder subentender as palavras moda ou maneira.
Ela usava um salto à Luís XV.
Costumava escrever à Guimarães Rosa.

e)    Quando o artigo está desacompanhado do respectivo substantivo.
O atleta correu da quadra de tênis à de basquete. à ...da quadra de tênis a + a quadra de basquete.

f)    Antes da palavra casa, se esta vier determinada.
Retornou à casa paterna.
Vamos à casa de vídeos.
Obs.: Se a palavra casa tiver o sentido de lar, domicílio, não haverá crase:
                Chegamos a casa cansados.

g)    Antes da palavra terra, se esta não for antônima de bordo.
Voltou à terra onde nascera.
Vendo o tubarão, o surfista retornou logo a terra (terra = mar).

Não ocorre crase:
a)    Antes de substantivo masculino.
Iremos a cavalo.

b)   Antes do artigo indefinido uma.
Foi a uma igreja rezar.

c)    Antes de verbo.
Ela passou a viver da venda de cosméticos.

d)   Antes de expressões de tratamento.
Remetemos a vossa senhoria os documentos.

e)    Antes de pronomes que não admitem artigo, como você, toda, cada, tudo, alguém, ninguém etc.
Entreguei o prêmio a cada um dos vencedores.
Não devo nada a ninguém.
Distribui sorrisos a toda gente.

f)    Antes de palavra feminina em sentido genérico.
Não assisto a peças que não tenham um bom elenco.

g)    Na locução a distancia, quando não determinada.
O líder assistia a tudo a distância.
O líder assistia a tudo à distância de cem metros.

h)   Entre substantivos repetidos.
Os guerreiros ficaram face a face.
O vendedor foi de porta a porta.
As crianças tomaram o remédio gota a gota.

Uso facultativo da crase:
Pode-se usar ou não a crase nos seguintes casos:
a)    Antes de nome próprio referente a pessoa.
Ofereci um poema a (ou à) Helena.

b)   Antes de pronome possessivo.
Dirigiu a palavra a (ou à) nossa secretária.

c)    Depois de até.
Renato caminhou até a (ou à) porta.

d)   Com as locuções que indicam meio ou instrumento.
O bandido foi morto a (ou à) bala.

A crase e os pronomes demonstrativos
Usa-se a crase nos seguintes casos:
a)    Quando o pronome demonstrativo aquele e suas flexões completarem o sentido de um verbo ou nome que exija preposição.
Entregou o prêmio àquele aluno.
Chegou àquela região castigada pela seca.
Prefiro isso àquilo.

b)   No a que precede os pronomes que, quem, qual, e quais, quando o verbo ou o nome exigir preposição. Isto pode ser verificado substituindo-se o antecedente por uma palavra masculina. Se o a se transformar em ao, haverá crase.
A situação em que me encontro é semelhante à que superaste.
(O impasse em que me encontro é semelhante ao que superaste.)

A posição à qual aspiro depende de muitos esforços.
(O cargo ao qual aspiro depende de muitos esforços.)

Crase nas locuções
a)    Adverbiais: às cegas, às claras, às escondidas, à toa, às pressas, às vezes, à esquerda, à direita, à força, à tarde, à noite.
Partiu às pressas.
Faz tudo às claras.
O ônibus virou à esquerda.
Deu tiros às cegas.
Mariana chegará à noite.

b)   Prepositivas: à roda de, à beira de, à espera de, à vista de, à falta de, à guisa de.
Encontrei-o à beira da falência.
Permaneceu à espera de outra chamada.
Escreveu um texto à guisa de apresentação.
As crianças morrem à vista do mundo.

c)    Conjuntivas: à medida que, à proporção que.
À medida que anoitecia, aumentava-lhe o medo.
Entusiasmava-se à proporção que falava.

Observação
Usa-se o acento grave indicador de crase nas locuções em que se pode fazer a correlação a ― na:
            À saída do teatro. (= Na saída)
            Quem ousaria incomodá-lo àquela hora? (= naquela hora)


Fonte:
CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 45ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2002.
MAIA, João Domingues. Português. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2000.