"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

sábado, 20 de agosto de 2011

Os tempos escolares

[...] O ensino escolar é um trabalho coletivo que acontece durante vários anos e conta com diversos professores que se revezam para realizar uma ação educativa sobre os alunos. Graças a essa longa duração (que ocupa, atualmente, uma parte cada vez maior da vida humana, em torno de 15 anos de nossa vida), a maioria das crianças acaba se socializando e assimilando, individualmente falando, as normas e conhecimentos que estão na base da vida em sociedade.
O tempo escolar é constituído, inicialmente, por um continuum objetivo, mensurável, quantificável, administrável. Mas, em seguida, ele é repartido, planejado, ritmado de acordo com avaliações, ciclos regulares, repetitivos. Essa estruturação temporal da organização escolar é extremamente exigente para os professores, pois ela puxa constantemente para a frente, obrigando-os a seguir esse ciclo coletivo e abstrato que não depende nem da rapidez nem da lentidão do aprendizado dos alunos. Essa temporalidade reproduz em grande escala o universo do mundo do trabalho, cadenciado como um relógio; ela arranca as crianças da indolência e da acronia das brincadeiras para mergulhá-las num mundo onde tudo é medido, contado e calculado abstratamente: tal dia, a tal hora, elas deverão aprender tal coisa, numa duração predeterminada e sobre o que serão avaliadas mais tarde, às vezes muito depois. Esse tempo escolar, portanto, é o tempo “sério”, “importante” com consequências graves para o futuro: os atrasos, as faltas, as ausências, os descuidos se acumulam e passam a contar, constituindo fatores de fracasso ou de sucesso, enfim, de diferenciação escolar e, mais tarde, social. O tempo escolar, portanto, é potencialmente formador, porque impõe, para além dos conteúdos transmitidos, normas independentes de variações individuais e aplicáveis a todos. O tempo escolar é um tempo social e administrativo imposto aos indivíduos, é um tempo forçado. É por isso que uma das tarefas fundamentais dos professores é ocupar os alunos, não deixá-los por conta, sem nada para fazer, mas, ao contrário, ocupá-los com atividades: não ter mais o que dizer ou fazer, quando ainda sobra tempo à disposição, é um dos pavores básicos dos professores, e o temor que isso gera é, geralmente, muito importante no início de sua carreira.


Maurice Tardif e Claude Lessard


(TARDIF, M.; LESSARD, C. “A escola como organização do trabalho docente”. In: ___________. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Tradução de João Batista Kreuch. 5ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 75-76.)
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domingo, 14 de agosto de 2011

A prática na aplicação da flexão verbal

História de passarinho



Um ano depois os moradores do bairro ainda se lembravam do homem de cabelo ruivo que (1) e sumiu de casa.

Ele era um santo, disse a mulher (2) os braços. E as pessoas em redor não (3) nada nem era preciso, perguntar o que se todos já sabiam que era um bom homem que de repente abandonou casa, emprego no cartório, o filho único, tudo. E se mandou Deus sabe para onde.

Só pode ter enlouquecido, sussurrou a mulher, e as pessoas tinham que se aproximar inclinando a cabeça para ouvir melhor. Mas de uma coisa estou certa, tudo começou com aquele passarinho, começou com o passarinho. Que o homem ruivo não sabia se era um canário ou um pintassilgo. Ô! Pai, (4) o filho, que raio de passarinho é esse que você foi arrumar?!

O homem ruivo (5) o dedo entre as grades da gaiola e ficava acariciando a cabeça do passarinho que por essa época era um filhote todo arrepiado, escassa a plumagem amarelo-pálido com algumas peninhas de um cinza-claro.

Não sei, filho, deve ter caído de algum ninho, (6) ele na rua, não sei que passarinho é esse.

O menino (7) chicle. Você não sabe nada mesmo, Pai, nem marca de carro, nem marca de cigarro, nem marca de passarinho, você não sabe nada.

Em verdade, o homem ruivo sabia bem poucas coisas. Mas de uma coisa ele (8) certo, é que naquele instante gostaria de estar em qualquer parte do mundo, mas em qualquer parte mesmo, menos ali. Mais tarde, quando o passarinho (9), o homem ruivo ficou sabendo também o quanto ambos se pareciam, o passarinho e ele.

Ai! O canto desse passarinho, (10) a mulher, Você quer mesmo me atormentar, Velho. O menino esticava os beiços tentando fazer rodinhas com a fumaça do cigarro que subia para o teto: Bicho mais chato, Pai. Solta ele.

Antes de sair para o trabalho o homem ruivo (11) ficar algum tempo olhando o passarinho que desatava a cantar, as asas trêmulas ligeiramente abertas, ora pousando num pé, ora noutro e cantando como se não (12) parar nunca mais. O homem então enfiava a ponta do dedo entre as grades, era despedida e o passarinho, emudecido, vinha meio encolhido oferecer-lhe a cabeça para carícia. Enquanto o homem se afastava, o passarinho se atirava meio às cegas contra as grades, fugir, fugir! Algumas vezes, o homem assistiu a essas tentativas que (13) o passarinho tão cansado, o peito palpitante, o bico ferido. Eu sei, você quer ir embora, você quer ir embora, mas não pode ir, lá fora é diferente e agora é tarde demais.

A mulher (14) então a falar e falava uns cinqüenta minutos sobre as coisas todas que (15) ter e que o homem ruivo não lhe dera, não esquecer aquela viagem para Pocinhos do Rio Verde e o Trem Prateado descendo pela noite até o mar. Esse mar que se não (16) o Pai (que Deus o tenha!) ela jamais teria conhecido porque em negra hora casara com um homem que não prestava para nada, Não sei mesmo onde estava com a cabeça quando me casei com você, Velho.

Ele continuava com o livro aberto no peito, (17) muito de ler. Quando a mulher baixava o tom de voz, ainda furiosa (mas sem saber mais a razão de tanta fúria), o homem ruivo fechava o livro e ia conversar com o passarinho que se punha tão manso que se abrisse a portinhola poderia colhê-lo na palma da mão. Decorridos os cinqüenta minutos das queixas, e como ele não respondia mesmo, ela se calava exausta. Puxava-o pela manga, afetuosa: Vai, Velho, o café está esfriando, nunca pensei que nesta idade eu fosse trabalhar tanto assim. O homem ia tomar o café. Numa dessas vezes, (18) de fechar a portinhola e quando voltou com o pano preto para cobrir a gaiola (era noite) a gaiola estava vazia. Ele então (19) no degrau de pedra da escada e ali ficou pela madrugada, fixo na escuridão. Quando amanheceu, o gato da vizinha desceu o muro, aproximou-se da escada onde estava o homem ruivo e ficou ali estirado, a se espreguiçar sonolento de tão feliz. Por entre o pêlo negro do gato desprendeu-se uma pequenina pena amarelo-acinzentada que o vento delicadamente fez voar. O homem inclinou-se para colher a pena entre o polegar e o indicador. Mas não disse nada, nem mesmo quando o menino que presenciara a cena desatou a rir, Passarinho mais besta! Fugiu e acabou aí, na boca do gato.

Calmamente, sem a menor pressa o homem ruivo guardou a pena no bolso do casaco e levantou-se com uma expressão tão estranha que o menino parou de rir para ficar olhando. Repetiria depois à Mãe, Mas ele até que parecia contente, Mãe, juro que o Pai parecia contente, juro! A mulher então interrompeu o filho num sussurro, Ele ficou louco.

Quando formou-se a roda de vizinhos, o menino voltou a contar isso tudo mas não achou importante contar aquela coisa que descobriu de repente: o Pai era um homem alto, nunca (20) reparado antes como ele era alto. Não contou também que estranhou o andar do Pai, firme e reto, mas por que ele andava agora desse jeito? E repetiu o que todos já sabiam, que quando o Pai saiu, deixou o portão aberto e não olhou para trás.


TELLES, Lygia Fagundes. In: Invenção e memória. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.



Assinale a alternativa que preencha corretamente cada lacuna:


(1) enlouquecera                      enlouqueceu                           enlouquecia

(2) levantando                          levantou                                 levantara

(3) perguntou                            perguntava                             perguntaram

(4) cassoava                             caçoava                                 casouava

(5) introduzia                             introduzira                              introduz

(6) pegava                                 peguei                                    pegarei

(7) mascava                               mascaria                                 mascando

(8) estive                                   esteve                                    estava

(9) crescia                                 cresceu                                  esteve crescido

(10) queixara-se                        queixava-se                            queixavasse

(11) costumou                           costumava                              costumara

(12) pode-se                             pudesse                                  pude-se

(13) deixava                              deixa                                      deixavam

(14) punha-se                           punhasse                               ponhasse

(15) quis                                   quiz                                       quer

(16) fo-se                                 foce                                      fosse

(17) gostou                               gostávamos                           gostava

(18) esqueceu                           esquecia                                esquece

(19) sentousse                          sentosse                                sentou-se

(20) teve                                  tinha                                      tenha

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