"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

POESIA E POEMA

"A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de mudar o mundo, a atividade poética é revolucionaria por natureza; exercício espiritual, método de liberação interior. La poesia revela este mundo, creia outro. Pão dos escolhidos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; retorno à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Preze fútil, diálogo com a ausência: o tédio, a angústia e a desesperação a alimentam. Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuração, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega à história: no seu seio se resolvem todos os conflitos objetivos e o homem adquire, ao fim, consciência de ser algo mais que trânsito. Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar numa forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Idéia. Loucura, êxtase, logos. Retorno à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade acética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a musica do mundo e metros e rimas não são senão correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensino, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monologo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todos os rostos, mas tem quem afirma que não possui nenhum: o poema é uma careta que oculta o vazio, prova formosa da supérflua grandeza de toda obra humana!

PAZ, Octávio. O arco e a lira. (Trad. de Olga Savary).
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

Nenhum comentário: